Mostra virtual do Sesc narra o cotidiano de Campos dos Goytacazes por meio da fotografia
- Culturália
- 8 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 23 de abr. de 2021
Dezoito imagens produzidas por quatro profissionais de diferentes gerações estão no casarão da Rua Gil de Góis, e as pessoas podem vê-las sem sair de casa

A situação poderia ter ocorrido em qualquer praça, mas era a Rua Alvarenga Pinto, ou Rua do Formosão, no Centro de Campos dos Goytacazes. O ano é 2010. Um homem negro está sob o poder de policiais militares, enquanto outro, branco, de meia idade, tenta agredi-lo. O preso se abaixa, e a palma da mão direita do agressor acerta o rosto do agente de segurança pública. A expressão de dor do PM que leva o tapa e a incredulidade dos demais presentes estão registradas pelo clique de Ricardo Avelino. Essa é uma das 18 imagens que compõem a exposição virtual "Retratos do cotidiano de uma cidade", do Sesc Campos. A mostra também reúne trabalhos de três fotógrafos do Coletivo Cabeçada: Jean Barreto, Rafael Peixoto e Tarcísio Nascimento.
"Nessa imagem eu trago o lado social, da violência, faço uma leitura sociológica. É o negro sendo perseguido e capturado. E é uma cena cômica, de um policial levando um tapa, ou seja, a sociedade punindo o Estado, punindo a si própria", diz Avelino.
Os personagens da mostra são pessoas comuns, as quais se encontram em pontos característicos da cidade. "A cidade só existe a partir do homem. Então, eu quis valorizar o homem numa ação ativa, fazendo o dia a dia. Eu coloquei, por exemplo, o barco de pesca com a presença humana. Campos tem uma peculiaridade que apenas três ou quatro cidades têm no Brasil. A saída dos barcos para o mar é feita sem foz. Sai na praia, não fica ancorado. O barco é retirado do mar para a areia todos os dias. Essa é uma imagem que tenho e que retrata Campos", conta Avelino.
Diversidade
Ao passear virtualmente pelo Casarão do Sesc Campos, o visitante encontra também o retrato de uma pessoa com deficiência recebendo dinheiro de quem guia um carro à beira do Canal Campos-Macaé, tirado por Jean Barreto. Outra imagem, captada por Rafael Peixoto, mostra o dono de uma simples mercearia. Adiante, aparece o tratorista retratado por Tarcísio Nascimento em Cambaíba. Caminhando clique a clique, é possível observar a cidade em suas diversas facetas: rural, urbana, ecológica e litorânea.

"Campos, por ser a cidade de maior extensão territorial do estado, tem uma diversidade cultural e uma diversidade geográfica grande. Tem o interior ao Norte e ao Sul, a planície, que é a maior área habitada da cidade. Tem a Região Serrana, Imbé, de preservação ambiental. Tem a região praiana, onde se encontra o Farol de São Tomé. Campos foi a maior produtora de cana-de-açúcar durante o boom dela no Brasil. Foi, durante o século XIX, uma das cidades que mais carregou negros escravizados. Isso acabou construindo, no cotidiano, elementos que são centrais, sobretudo o trabalhador rural, muito presente na nossa exposição", diz Tarcísio.
Jean Barreto dá sua contribuição para a diversidade na mostra. Nascido e criado no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, ele chegou a Campos em 2013, para estudar História na Universidade Federal Fluminense (UFF). "Eu tenho um olhar muito curioso sobre a cidade. Estou conhecendo e reconhecendo lugares. Algo que, na paisagem de Campos, é costumeiro para algumas pessoas, ainda me chama a atenção", afirma Barreto, para quem o caráter coletivo dá outro tom à exposição:
"O método coletivo é para democratizar a fotografia. Independentemente da reprodução técnica, nós queremos discutir esse universo que compõe a fotografia, essa diversidade de elementos que compõem a vida, que atravessam a fotografia. Sebastião Salgado afirma que o fotógrafo não é formado em fotografia. Ele é formado na vida. Ele fotografa o que vive, a experiência dele com o mundo. É muito interessante você construir uma percepção de mundo coletivamente, pois, em toda fotografia, apesar de ela ser um procedimento individual, há uma relação dialógica, uma interação entre quem fotografa e quem é fotografado." História
Transformações históricas causadas pela exploração do petróleo na região também estão registradas na mostra. "Nos últimos 20 anos, devido aos royalties, houve um trabalho social de construção de casas populares. Então, eu coloquei uma foto que fiz de uma família deixando a casa que seria demolida, antes de se mudar para a nova, que o Estado construiu. Essa família está com várias coisas amontoadas num quarto. Há um retrato de São Jorge, um homem com a camisa do Flamengo, uma mulher negra. É uma foto que mostra o êxodo humano. Eu tentei passar o sentimento daquela família, que deixava uma história para trás, rumo ao novo", conta Avelino.
Tarcísio Nascimento, que também estuda História, pensa na importância de seu trabalho fotográfico para a memória campista. "Campos tem uma história jogada ao canto, mas nossa cidade tem uma importância absurda para a história do país. E o que se fala dessa história? É a cidade onde nasceu um dos presidentes, Nilo Peçanha", afirma Tarcísio.
"A evolução da história do Brasil não se deu apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Campos também tem sua importância para a história do samba. Aqui nasceram Roberto Ribeiro, Délcio Carvalho e Wilson Batista. Eu, como estudante de História e fotojornalista, tenho o dever de auxiliar na construção dessa memória", emenda o fotógrafo. Encontro
Jean e Tarcísio fotografam há quatro anos, enquanto Rafael Peixoto, há oito. O trio trabalha na Superintendência de Comunicação da Prefeitura de Campos. Ricardo Avelino, por sua vez, iniciou no fotojornalismo diário em 1997. Este encontro de gerações é outra marca da mostra. "É importante essa comunicação. O Coletivo Cabeçada procura isso, procura conectar-se a esses pioneiros na cidade. São pessoas que têm uma representatividade histórica. É um esforço contínuo, justo e necessário. Não há essa comunicação entra a antiga e a nova geração", afirma Peixoto.

Avelino aproveita esse encontro para passar sua experiência. "Nós pensamos por imagem. Ninguém entende a História sem imaginá-la. Hoje está mais fácil fotografar, devido ao avanço tecnológico. Os equipamentos estão baratos. Mas precisamos ver certas questões. As pessoas fazem foto em quantidade, mas não em qualidade. Você pode bater cem fotos. Com mais atenção, chegaria ao que queria com três ou quatro" diz o experiente fotógrafo, que emenda:
"Venho de outra fase, do laboratório de revelação. Você saía com o negativo, só podia ver a foto depois de copiá-la. Isso nos fazia pensar mais na hora de clicar. Já tive máquina que cada aperto de botão custava R$ 5. Assim, você acaba tomando mais cuidado, elabora mais a foto. A fotografia, se for bem usada, provoca uma releitura, um crescimento de seu estar no mundo, de compreensão. É como ler um texto."
Pós-pandemia
A ideia inicial da exposição era que houvesse visitação presencial no casarão da Rua Gil de Góis, onde também haveria oficinas de fotografia. Devido à pandemia da Covid-19, isso teve de ser adiado. Com recursos da própria fotografia, porém, a visitação foi inaugurada virtualmente no dia 16 de abril. "A exposição se traduz muito mais neste período de isolamento. Nós não damos valor para o nosso cotidiano, para o nosso trajeto de casa ao trabalho. Depois que ficamos isolados, ficamos encantados quando saímos de casa. A exposição, sem querer, acabou se tornando mais pertinente neste momento, pois nos faz recordar o nosso cotidiano", afirma Graziela Escocard Ribeiro, analista de cultura do Sesc Campos. A mostra física, por outro lado, não é descartada e ocorrerá após o término do isolamento social, o que ainda não tem data prevista. Por enquanto, as pessoas interessadas em observar o trabalho dos quatro fotógrafos devem acessar o link bit.ly/ExpoVirtualCampos e navegar como se estivesse numa galeria de fotos, clicando na indicação para a direita. Para dar o giro de 360 graus, basta segurar o clique em qualquer outro ponto da tela e arrastar o cursor.
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