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Vinil resiste

  • Foto do escritor: Luiz Neto
    Luiz Neto
  • 9 de out. de 2020
  • 7 min de leitura

Atualizado: 23 de abr. de 2021

Festa 'No tempo do vinil' e loja itinerante 'Goyaba Discos' seguem tendência mundial e impulsionam, no Norte Fluminense, cultura que perdeu espaço no final do século XX


Live "No Tempo do Vinil" em 27 de setembro (Foto: Reprodução de vídeo, com animação de Bruno Penabranca)

Todo domingo é assim: ele pega sua coleção de long players (LPs), prepara a picape e pontualmente, às 20 horas, faz a festa daqueles que, em pleno século XXI, preferem escutar música por meio de uma mídia que perdeu espaço na década de 1990. Em "No tempo do vinil", DJ Magrones se soma ao grupo que dá vida à cultura dos discos em Campos dos Goytacazes.


O evento começou de forma presencial, no segundo semestre de 2017. Do Bar do Dandão, no Centro, passou para o Soma+Lab, no Parque Tamandaré, em 2018. Em ambiente virtual, ele só passou a existir após o início da pandemia de Covid-19, em março deste ano.


"Nosso objetivo é fortalecer a cultura vinílica na região. Nós percebíamos que o vinil tem um grande potencial que se diferencia da música hoje consumida em streaming ou até mesmo em CD. Perdeu-se o contato com as capas, com o material e inclusive com a qualidade do material que está representado na mídia", diz Magrones, que toca o projeto com produção de Maria Clara Montalvão e com apoio do ilustrador Bruno Penabranca e do grafiteiro Diego Gomes.


"Juntamos isso à cultura da discotecagem, que são duas picapes e um mixer. Pensamos em criar uma rede de sociabilidade através dessa música materializada no vinil, não só sonoramente, mas visualmente, para as pessoas verem as capas, trocarem ideia sobre isso, verem quem são os produtores, quem é o artista. Existem clubes de vinil, onde as pessoas ouvem os discos, mas optamos pelas mixagens, pois é algo mais dinâmico", emenda o DJ.


Essas palavras se encaixam perfeitamente no que Glaucio José Couri Machado aponta no livro "Conversa de Vinil: A Nova Era de Ouro dos Discos de Vinil" (disponível no site Universo do Vinil). "O vinil é um estilo de vida também. Muitos fãs dos disquinhos estão envoltos a um retorno — mesmo que seja apenas estético — ao mundo analógico, portanto, acompanha uma tendência existente em certos grupos sociais", escreve o autor.


DJ Magrones no Soma+Lab (Foto: Rodrigo Sobrosa/Divulgação)

Magrones, de 39 anos, teve seu contato inicial com vinil na infância. Os primeiros discos dele foram "A Arca de Noé" — lançado em 1980 pela gravadora Ariola, com músicas de Toquinho e Vinicius de Moraes interpretadas por grandes nomes da Música Popular Brasileira, como Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina, Ney Matogrosso, Moraes Moreira, Alceu Valença e Fábio Júnior — e um da Coleção Taba, lançada em 1982 pela Editora Abril.


"Ele é um caderno onde, no final, há a contação de história. São histórias infantis onde cada uma também é musicada por um artista, como Tom Zé. Em cada fascículo havia uma história. No final do fascículo, ele ensinava a transformar essa história em teatro infantil", contra Magrones, sobra a coleção Taba.


Mesmo quando o vinil caiu em desuso, ele continuou conciliando esta mídia com as demais que vinham surgindo, pois sua família manteve sempre uma vitrola em casa. "Só ficava sem quando quebrava, mas logo levávamos para consertar ou trocávamos de aparelho", conta o DJ. Mesmo quando passou oito anos em Florianópolis, para onde não pôde levar sua coleção, ele seguiu fiel aos vinis, adquirindo novas unidades na cidade catarinense.


Magrones enxerga três atrativos nesta mídia. Além da qualidade do som e da parte gráfica das capas, ele atenta para a durabilidade dela. "Uma parte dos discos que tenho passou por uma enchente. Os vinis molharam. Não deu para recuperar algumas capas, mas as mídias tocam até hoje. Para limpar o vinil, nós o colocamos embaixo da torneira e lavamos, como se fosse um prato. Eu tenho mídias, por exemplo, que são da década de 50 e até hoje elas tocam", diz.


Goyaba Discos


Rebeca Picanço é outra impulsionadora da cultura do vinil em Campos. Idealizadora da Goyaba Discos, loja itinerante que tem funcionado na internet devido à pandemia, ela também destaca as características físicas e visuais desta mídia. "O que mais me atrai no vinil é o afeto que temos pela mídia física, poder pegar na mão o disco, capa e encartes nos aproxima da música", diz.


Hoje com 31 anos, Rebeca teve o seu primeiro contato com vinis quando criança, por meio de discos infantis. Depois, sua família seguiu a tendência das novas mídias e se desfez da vitrola. O reencontro ocorreu em 2009, quando ela revisitou a coleção de discos dos pais, adquiriu um novo aparelho e iniciou as compras para ampliar o acervo pessoal. Em 2017, junto com Tiago Quintes, ela decidiu comercializar também.


Rebeca Picanço (Foto: Arquivo pessoal)

"Nós nem pensamos se havia mercado, fomos botando a cara. Eu separo a minha coleção do que eu coloco à venda. O que é meu é meu. O que é para vender é para vender. Eu não misturo as coisas", diz Rebeca.


Em post no perfil da loja no Instagram, ela dá dicas de como preservar o material. "Uma dica simples e eficiente que todo mundo pode fazer é lavar os discos em água corrente utilizando sabão neutro e algodão em disco (aquele usado pra maquiagem), com movimentos circulares acompanhando os sulcos do vinil. Depois de passar nos dois lados, enxague bem e deixe secar no escorredor", escreve Rebeca, que completa:


"Quando secar por completo é só colocar pra girar na vitrola e curtir o som. O ideal é que eles sejam armazenados com os plásticos e em lugar seco e arejado".


Parceiro de Rebeca no empreendimento, Tiago Quintes é DJ em eventos onde é montada a banquinha da Goyaba. Os primeiros discos que ele se lembra de ter ouvido foram os da Turma do Balão Mágico, da Xuxa e de Os Trapalhões. Assim como Rebeca, perdeu o contato com essa mídia após o surgimento de outras.


O reencontro de Tiago se deu em 2007, quando o rapaz foi cursar o ensino superior em Niterói. Na casa do avô, achou uma vitrola e a coleção de discos do tio. Ele ficou impressionado com a qualidade do som e não deixou mais de escutar música por meio desta mídia.


Tiago Quintes (Foto: Rebeca Picanço/Divulgação)

"O digital transforma o som físico dos instrumentos em informação digital. Nessa transformação, se perde alguma coisa. No vinil, as ondas sonoras emitidas são exatamente iguais àquelas que foram gravadas. O vinil é muito mais original do que a mídia digital", afirma o DJ, que também atenta para a importância dos vinis para a preservação do material gravado:


"Eu tenho um amigo que diz ter um HD cheio de músicas. Se a internet do mundo acabar, ele pode continuar ouvindo essas músicas. Eu, porém, tenho um monte de discos de vinil. Se a luz do mundo acabar, eu posso ouvir músicas mesmo assim. Existem gramofones que não precisam de eletricidade para funcionar. Se as empresas de streaming acabarem, você perderá as suas músicas. Com o vinil, você tem os discos para o resto da vida".


Fonoteca da Villa Maria


Preservar a memória musical através de discos de vinil, aliás, é o que faz a Fonoteca da Casa de Cultura Villa Maria. Equipamento cultural ligado à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), ela foi inaugurada em dezembro de 1993, justamente quando o CD ganhava espaço no Brasil, e conta, em sua maior parte, com acervo doado por pessoas físicas e instituições de comunicação, como emissoras de rádio.


"Na mesma oportunidade, às vésperas de sua inauguração, a Casa foi agraciada com uma coleção de alto valor histórico: discos antigos (que eram classificados como “materiais em acetato”, uma versão primitiva do vinil, contendo faixas em 78 RPM, duros e fáceis de quebrar, armazenados em posição horizontal) que pertenceram à discoteca particular do Sr. Amador Pinheiro da Silva, fundador da Rádio Cultura de Campos", afirma Vicente Rangel.


Coordenador da Fonoteca, ao lado da Professora Vania Ventura Barreto, entre 1993 e 2012, Rangel conta ainda que móvel da vitrola de Amador Pinheiro da Silva também foi doada para a casa, "tendo permanecido por vários anos como item de exposição".


"Posteriormente, como resultado da divulgação que empreendíamos, incentivando o movimento de doações, recebemos acervos de discos de vinil propriamente dito provenientes de particulares (como o de MPB do filósofo campista José Américo Pessanha e o de música erudita do cantor José Evergisto Neto, do Rio de Janeiro), bem como de instituições (como a antiga Rádio Atlântica)", conta o ex-coordenador da Fonoteca.


Rangel diz que a grande motivação para a preservação do acervo é o potencial de pesquisa dele: "Obviamente nem todos os discos chegaram devidamente conservados, mas grande quantidade se encontra em bom estado, e alguns virtualmente intocados, fato que pode sustentar uma pesquisa qualitativa interessante do ponto de vista comparativo – se quisermos, por exemplo, cotejar as virtudes técnicas do vinil com o CD ou com as versões wave e MPs do computador".


"Outro lado (sem trocadilho) da importância da preservação de tal acervo é a possibilidade de atender a pesquisadores de artes visuais, que saberão valorizar a diversificada produção gráfica representada pelas capas e encartes dos discos", completa.


Memória regional


O ex-coordenador da Fonoteca também destaca a importância da preservação dos discos para a cultura musical da região.


"Várias faixas da coletânea 'Resgate da memória sonora de Campos', lançada pelo Orfeão de Santa Cecília no final de 2014, foram colhidas ao acervo da Villa, com devido (e possível) tratamento em estúdio. Isso significa que este conjunto de 'pretinhos' guarda também material gravado por artistas locais, além de peças de compositores locais eternizadas por cantores e instrumentistas de fora", diz.


"Além disso, manter uma unidade de pesquisa de caráter geral voltada para a cultura do disco é motivo de orgulho para nossa cidade, que se coloca assim, ainda que em pequena escala, como um polo facilitador da difusão da cultura e do conhecimento", completa.


A audição na Villa não é feita diretamente dos vinis, devido ao desgaste deles ao contato com a agulha. "Decidimos que os fonogramas seriam passados apenas uma vez para fitas magnéticas de boa qualidade, que, estas sim, eram disponibilizadas para audições individuais, à exceção de solicitações para pesquisa específica nos itens originais. Com o desgaste, inerente às formas analógicas, várias vezes tínhamos de recorrer outra vez ao vinil para regravá-lo", conta Rangel.


Perguntado se acha que o acervo da Villa Maria dialoga com a cultura do vinil na região, Rangel responde: "Creio que, por tudo que foi exposto aqui, fica óbvia a possibilidade que tem o acervo em questão de dialogar com este interessante movimento de revalorização do vinil".


Ele acrescenta: "Acredito que os cultores dessa nova 'onda' têm muito a ensinar para que se possa infundir mais vida a esse diálogo, que será sem dúvida proveitoso para ambos os lados (novamente sem trocadilho)".


Consumo que cresce


A opção pelo vinil cresce cada vez mais. Segundo a Associação Americana da Indústria de Gravação (RIAA, na sigla em inglês), 8,8 milhões de LPs foram vendidos nos Estados Unidos no primeiro semestre de 2020, o que representou um aumento de 2,3% em relação ao mesmo período do ano passado, quando 8,6 milhões de unidades foram vendidas. Enquanto isso, a venda de CDs enfrentou uma queda de 45,2% — 10,2 milhões de unidades, contra 18,6 milhões um ano atrás.


Com essa mudança, por serem mais caros, os discos de vinil passaram a gerar mais receita do que o CD: 232,1 milhões de dólares (aproximadamente R$ 1,28 bilhão) contra 129,9 milhões de dólares (cerca de R$ 717,03 milhões).

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