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Cine Darcy: cinema de rua em Campos

  • Foto do escritor: Luiz Neto
    Luiz Neto
  • 25 de set. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 23 de abr. de 2021

Sala de projeção do Centro de Convenções da Uenf abrigará programação regular de filmes nacionais após a pandemia; atualmente, projeto mantém exibições e debates nas redes sociais


Logomarca do "Cine Darcy" (Arte: Dóris Peres)

Quando a pandemia acabar, a população de Campos dos Goytacazes terá de volta a possibilidade de frequentar cinema sem a necessidade de entrar num shopping. Fundado neste ano para funcionar na sala de projeções do Centro de Convenções da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), a qual tem capacidade para 110 espectadores e ainda impedido de abrir suas portas ao público devido ao coronavírus, o "Cine Darcy" marca o retorno deste tipo de equipamento cultural à cidade, algo que não existe desde o fechamento do Cine Capitólio, em 2001.


De acordo com Joilson Bessa, em dissertação de mestrado apresentada em 2017 ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do campus de Campos dos Goytacazes da Universidade Federal Fluminense (UFF-Campos), "o município possui atualmente 10 salas de cinema, todas instaladas nos Shopping

Avenida 28 e Boulevard Campos Shopping".


"Nossa ideia é oferecer uma alternativa ao circuito comercial, que reina em qualquer cidade de médio porte do Brasil", afirma Heitor Benjamin, um dos organizadores do projeto. Ele emenda: "O 'Cine Darcy' se insere muito dentro das ações culturais da Uenf. O cinema, nas gestões anteriores, nunca funcionou com regularidade. Funcionava esporadicamente, quando algum projeto surgia, de um cineclube, mas que nunca se consolidou. Houve no passado um cineclube chamado Cine Cabrunco, famoso em Campos, só que não foi à frente. Era uma demanda dos alunos, eles criaram. Quando se formaram, o projeto acabou. Então, a ideia do 'Cine Darcy' não é mais uma iniciativa do movimento estudantil, ele é hoje uma política cultural."


Ligado à Assessoria de Cultura da Uenf, que foi criada no fim do ano passado e que é chefiada pela professora Priscila Castro, o projeto é interuniversitário — tem curadoria de Elis Miranda, coordenadora do Grupo de Estudos em Cultura, Planejamento e Representações Espaciais (Cult), da UFF-Campos. Ele tem como objetivo a pesquisa e a divulgação da produção audiovisual brasileira. "Queremos oferecer um produto de qualidade, nacional, num cinema de rua. Você vai chegar direto ao cinema, não vai se arrumar tanto para ir. O 'Cine Darcy' é resistência também, com uma programação que não seja ditada pelas grandes indústrias do cinema. É importante ter essa resistência de cinema de rua, com exibição do cinema nacional e cobrando um ingresso justo, não um ingresso de shopping que paga quase R$ 40, junto com a pipoca, o que faz o negócio chegar a R$ 60", diz Benjamin, que é bolsista recém doutor do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico/CCH da Uenf e estudante de pós-doutorado na universidade.


Preconceito

Centro de Convenções (Foto: Reprodução do site da Uenf)

Outro organizador do projeto, Gabriel Rabello entende que o "Cine Darcy" contribui para quebrar um preconceito sobre o cinema nacional. "É interessante ouvir nos discursos das pessoas de que não se faz filme nacional, ou de que o filme nacional não tem qualidade, de que filme nacional é só comédia, ou só violência. Na realidade, não é isso. O cinema nacional é pouco divulgado. Temos uma produção nacional muito grande e diversa. É nisso que o cineclubismo e o cinema universitário têm a força de apresentar esse cinema nacional diverso. Por exemplo, em Niterói há o Cine Arte UFF, que é um cinema universitário importante, que apresenta vários filmes nacionais. Nós temos a ideia de que o 'Cine Darcy' pode ser também uma referência para a cidade de Campos e para o Norte Fluminense, para o estado inteiro, de um cinema universitário que também vem trazer esse cinema nacional, que mostra o que é a diversidade do cinema nacional", afirma Rabello, que é estudante de mestrado em Sociologia no Programa de Pós Graduação em Sociologia (PPGS) da UFF, em Niterói, e é bolsista do programa Universidade Aberta/Extensão da Uenf.

Segundo Heitor Benjamin, o momento político em que vive o Brasil fomenta esse preconceito contra o cinema nacional. "Nós agora estamos num período em que o próprio Estado, na figura do presidente da república, ataca o cinema nacional com essas questões de valores. (Dizendo) que são imorais (os filmes), que o brasileiro não está se vendo na tela. São ataques às políticas do audiovisual, políticas de fomento, ataque à Ancine (Agência Nacional do Cinema), à Cinemateca de São Paulo. Por isso, eu falo em resistência. Muitas pessoas que não estão ligadas a isso não procuram saber que o nosso cinema nunca foi tão premiado, nunca participou de tantos festivais. Nos grandes festivais, como Berlim, Veneza, Cannes, você vê produções nacionais indicadas. Acabamos de ter um filme indicado ao Oscar, que foi o 'Democracia em vertigem', e olha o inferno que foi no Brasil. Ninguém se importava que o filme estava indicado ao Oscar. Queriam que ele não ganhasse, porque era um documentário que falava de uma questão política", diz Benjamin.


Ambiente virtual


Devido à pandemia, o "Cine Darcy" funciona atualmente em ambiente virtual, como se fosse um cineclube. A organização disponibiliza o link do filme em sua página no Facebook, mesma plataforma que utiliza para realizar debates com convidados, às quartas-feiras, às 19 horas. O público pode interagir com os debatedores através de comentários.

"Há essa dimensão realmente da recepção. Não é porque não está sendo simultânea a recepção do que as pessoas estão assistindo que elas não comentam com outras pessoas, porque grande parte de você assistir a um filme é isto: você comentar com outras pessoas. Às vezes, deixando uma semana o filme disponível na página do Facebook, há essa possibilidade de as pessoas comentarem com as outras dentro de casa, de fazer interações que não estão só naquele momento do debate. São reflexões que estão além disso", diz Gabriel Rabello.


Cineclubismo


Os três organizadores do "Cine Darcy", incluindo Gustavo Machado, são oriundos do cineclubismo. Heitor vem do "Cine Pitaco", enquanto Gabriel, do "Cineclube SocioAmbiental", da UFF-Campos. Para Gustavo Machado, que é do "Cineclube Marighella", o projeto da Assessoria de Cultura da Uenf incentivará este tipo de atividade na região.


Sala onde será o Cine Darcy (Foto: Reprodução do site da Uenf)

"O 'Cine Darcy' é um equipamento em que os cineclubes poderão exercer suas atividades. Campos tem alguns cineclubes, tem cineclube que funciona dentro da UFF, tem cineclube independente que funciona em local próprio, tem cineclube que funciona de maneira itinerante, como o 'Marighella'. Eu já vi, no ano passado, antes da pandemia, surgirem outras ideias de cineclube, como o 'Cineclube Mulher', realizado no Santa Paciência. Vamos supor que o 'Cineclube Mulher' volta após a pandemia. A partir daí, o 'Cine Darcy' passa a ser o equipamento para a realização de atividades cineclubistas. Se considerarmos uma noção de tempo, a programação do 'Cine Darcy' permite que sejam contemplados projetos de cineclube", diz Machado, que é bolsista, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (PPGDAP), da UFF-Campos, onde é estudante de mestrado.


Gustavo Machado ainda afirma que o projeto poderá contribuir para a formação de novos cineclubes. "O cineclube tem uma característica própria de uma associação que não tem fins lucrativos, onde as pessoas vão se juntar para, através do cinema, discutir aquilo que elas julgam interessante. Nem todo cineclube tem pegada política. O Marighella tem, mas nem todo cineclube tem. Pode ter uma pegada estética, artística. Há o 'Cineclube SocioAmbiental' da UFF. Então, imagino um cenário onde ele pode fazer uma parceria com o 'Cine Darcy' e cruzar as duas coisas: o equipamento cultural com a iniciativa de um cineclube que é realizado em outra universidade. Podemos juntar as duas coisas, e eventualmente nascerem outros cineclubes dentro da própria universidade ou na cidade. Algum cineclube pode surgir na medida em que ele passa a ter um espaço onde ele possa realizar atividades", diz.


Ensino


Outra consequência do "Cine Darcy", de acordo com Heitor Benjamin, é a formação de um curso de cinema na Uenf. "É o sonho do atual reitor (Raul Palacio, empossado no fim do ano passado e criador da Assessoria de Cultura). Como estamos com a universidade fechada, um dos objetivos da assessora Priscila Castro é oferecer cursos na área de cinema também, mas não curso de graduação. (Seriam) cursos livres, cursos de roteiro, cursos de fotografia, de direção, associados ao 'Cine Darcy'. Nós temos espaço, podemos contratar pessoas que ministrem esses cursos. Isso é algo muito possível de nós estabelecermos no ano que vem, quando o coronavírus passar", afirma o organizador. "O projeto da Uenf, 27 anos atrás, era para que houvesse um curso de Cinema na universidade. Era o projeto do Darcy Ribeiro (fundador da universidade), por isso que o nome é 'Cine Darcy'. A Escola de Cinema que está no Rio de Janeiro seria na Uenf, seria em Campos. Ela seria onde é o Arquivo Público", completa.


'Cine Darcyzinho'


O "Cine Darcy" também conta com uma programação voltada ao público infantil. Atualmente também em ambiente virtual, o "Cine Darcyzinho" ocorre sempre aos domingos, às 16 horas. "O 'Cine Darcyzinho' está inserido no contexto de você poder ter um espaço em que se exibam filmes nacionais também para as crianças. E, também, não só para as crianças, mas que tenham como protagonistas as crianças. Vão ser filmes que vão debater o que é a infância, assim como séries animadas, animações. O objetivo do 'Cine Darcyzinho' é colocar o foco na criança e no adolescente", diz Gabriel Rabello.


No próximo domingo, 27 de setembro de 2020, o Cine Darcyzinho exibirá a série de animações "Bia Desenha", de Kalor Pacheco, Neco Tabosa e Raul Souza.

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