Atividades culturais infantis em ambiente virtual aproximam a garotada da leitura e da escrita
- Luiz Neto
- 22 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 23 de abr. de 2021
Projeto Navegando na Poesia e grupo Cirandarte se reinventam e movimentam suas redes sociais com vídeos de contação de história produzidos por profissionais do teatro

Lá vem andando,
todo cacheado,
meio chateado,
é Pedro-Pedroca,
Catibirimboca
de Firimfimfoca.
Não pensa em sorvete
e nem quer pipoca...
mas o que é que houve
com Pedro-Pedroca?
Escrito por Sylvia Orthof, "Um pipi choveu aqui" ganhou a interpretação da atriz e educadora Raynan Aguilar em um dos vídeos de contação de história em ambiente virtual do Navegando na Poesia. Em meio à pandemia de Covid-19, produzir conteúdo no Instagram foi a maneira encontrada pelo projeto, que é feito em parceria entre a Associação Raízes e a Petrobras, para dar continuidade às ações que funcionam presencialmente em 40 escolas públicas do Norte Fluminense. Quem ganha com isso é a garotada, que tem o privilégio de receber em casa o estímulo à leitura e à escrita por meio de técnicas do teatro, algo que é visto também na exibição de "O Monstro das Cores", de Anna Llenas, interpretado pelo ator e educador Luiz Matos.
"Quando fui para o Navegando na Poesia, ele comporia sua equipe com mais pedagogos. Ele queria pessoas criativas, que gostassem de trabalhar com o lúdico. E eu negociei com a associação para que admitíssemos profissionais de licenciatura em Teatro. E a associação ficou muito satisfeita, foi um encanto. Se você estimula a criança com uma história, uma hora ela vai querer escrever, colocar a ideia dela no papel. Esses profissionais do teatro fazem diferença, ainda mais nesse mundo virtual", diz a coordenadora pedagógica do projeto, Alcimere Siqueira, que justifica:
"Eu dirigi uma escola e sentia a dificuldade dos alunos em ler. Só notamos resultados para mudar isso quando admitimos uma professora de teatro para trabalhar com eles. Ela fazia um trabalho de interpretação de texto, de exploração textual na visão do teatro. Ela trabalhava com jogos teatrais, soltando as crianças, fazendo com que as crianças se expressassem com o corpo, deixassem a imaginação fluir".
Sucesso
O projeto está em vigor até outubro em seis municípios: Campos dos Goytacazes, Carapebus, Quissamã, Macaé, São João da Barra e São Francisco do Itabapoana. Nas 40 escolas públicas escolhidas para abrigá-lo, os educadores organizam uma série de oficinas com alunos do quarto e do quinto ano do ensino fundamental. Ao fim, os estudantes produzem suas próprias poesias e as apresentam em festivais, para a comunidade. Devido à pandemia, houve apenas um sarau, em Carapebus. A situação atual, porém, fez com que o projeto obtivesse sucesso navegando em outras águas.

"No Instagram, só no mês de abril, tivemos 3.754 visualizações, contra 295 em janeiro, quando as crianças estavam de férias. Só em março, tivemos 1258. O número de acesso cresceu absurdamente, até mesmo a abrangência da página, as nossas visualizações, as impressões de visualização", afirma a coordenadora de Projetos do Navegando na Poesia, Rachel Carvalho, que, por outro lado, se preocupa em saber se o conteúdo chega aos cerca de quatro mil alunos que fazem parte do projeto presencial:
"Nós pegamos principalmente as nossas aptidões e fomos reformulando, estamos buscando fazer essa releitura do projeto mediante a essa realidade, não é uma realidade para um público que de fato tenha acesso à internet. Então, estamos buscando demais estratégias de como chegar às escolas e de como chegar a esses educandos. Estamos buscando focar ainda mais neste público para que isso chegue a elas (crianças), usando uma excelente ponte, que são as professoras".
Um vídeo postado na terça-feira (19) é sobre a história de Quissamã. A ideia é produzir um conteúdo desse tipo a cada semana, sobre os seis municípios contemplados pelo projeto. "Além de valorizarmos essas cidades, podemos atrair novos seguidores que moram nelas. O de Campos, provavelmente, vai ser sobre a lenda do Ururau. O de São João da Barra deve focar numa comunidade pesqueira", conta Alcimere Siqueira.
Afetividade
Outra opção de contação de história e de outras atividades de recreação no Instagram, para as crianças, está no perfil do Cirandarte. Antes usado para manter atualizações do grupo que realiza eventos infantis, em Campos, o espaço passou a ser a ferramenta para que uma de suas integrantes, a atriz Katiana Rodrigues, se mantenha em atividade durante a pandemia de Covid-19. Com os mantras "abram os ouvidos e escutem com o coração", no início de cada leitura, e "é tempo de isolamento social, mas não de isolamento afetivo", no final, ela encanta a garotada a cada leitura.

"Inicialmente, eu comecei com essas atividades para ocupar a minha filha, fazendo um jogo de cartas em que você constrói uma história. Gravamos uma primeira história, e eu fui ficando com vontade de gravar outras. Tem alguma coisa de música também. Eu enviei para contatos de Whatsapp e fui tendo retorno. Foi uma forma de nós continuarmos a nos comunicar neste período. Eu sou mãe. Então, minha prioridade era dar conta da casa, de fazer tudo certinho, respeitando o isolamento, mas a arte veio como uma válvula de escape. Nós fizemos uma casinha de papelão, pintura, brincadeira com giz de cera. Eu usei dos meus conhecimentos artísticos para tornar os dias da minha família mais leves. Depois, veio esse lance de postar, de me comunicar com o público que já temos", diz Katiana, que recebe até cobrança por novos conteúdos:
"Eu recebo comentários na página. Fiquei duas semanas sem postar e recebi áudios e vídeos pedindo histórias. Eu tenho um canal de comunicação muito aberto, via Whatsapp. Uma das histórias que eu conto fala da letra H. Uma mãe me contou que isso foi fundamental para a filha dela, que tem essa letra como inicial. A menina deu um piti, dizendo que o nome dela não tinha sentido, que ela não era ninguém, pois H não tem som. A história fez a criança entender que a letra do nome dela era importante".
Katiana, que autorizou o Navegando na Poesia a publicar no Instagram a sua leitura de "Poesia na Varanda", de Sônia Junqueira, valoriza a produção deste tipo de conteúdo durante o confinamento. "É através da arte que as pessoas estão sendo salvas. Já dizia o Ferreira Gullar: 'A arte existe porque a vida não basta'. Mas não pode ser só isso, pois a criança não pode ficar o tempo todo vidrada no celular. É bom que esse artifício seja usado para desmembrar em outra atividade. Eu já recebi desenho de uma história que contei, por exemplo. Já recebi vídeos de crianças que gravaram a brincadeira que eu fiz e me mandaram. Eu até postei", afirma a atriz.
Reinvenção
Segundo Maria Siqueira, que é professora de teatro no campus Campos Centro do Instituto Federal Fluminense (IFFluminense), esta situação obriga os artistas da cidade a se reinventarem. "Não é simplesmente pegar uma produção que já existia e transportá-la para a plataforma digital. É uma nova linguagem, que os artistas não exploravam. Os artistas de teatro, pela própria natureza da presença na arte teatral, muitos artistas resistiram a ocupar os espaços digitais e agora estão se vendo obrigados a isso. Têm nascido novas linguagens, a contação de história está mudando um pouco. No começo, era meio que fingindo estar pessoalmente. É claro que não é algo que não existisse, mas isso está se multiplicando", diz Maria, que também destaca as particularidades dos conteúdos infantis:
"Tirando as pessoas em situação de vulnerabilidade social, que não têm uma moradia com o mínimo de estrutura, mas pensando em termos de faixa etária, as crianças parecem ser as mais afetadas pelo isolamento. Elas não têm a maturidade para lidar com este momento. Elas têm uma demanda de gasto energético muito maior. Nós vivemos numa sociedade verticalizada. Muitas pessoas moram em prédio com criança. Então, existe uma demanda enorme (pela produção de conteúdo online). É muito legal ver os artistas criando alternativas. Tem surgido muita gente boa na internet, gente que já fazia um trabalho muito legal e que está descobrindo as plataformas, aprendendo a editar, aprendendo qual é o tamanho do conteúdo a produzir. Não posso produzir uma peça de uma hora de duração, ninguém vai ficar vendo. São conteúdos mais curtos".
Confira os perfis do Navegando na Poesia e do Cirandarte no Instagram: @navegandonapoesia e @cirandarteeventosinfantis.
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