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A literatura salva

  • Foto do escritor: Luiz Neto
    Luiz Neto
  • 19 de jun. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 23 de abr. de 2021

Grupos de leitura dão novo sentido à vida, contribuem para luta contra preconceitos e incentivam o consumo de obras escrita por mulheres em Campos dos Goytacazes


Virginia Lobo (vestido verde-claro) comanda reunião do Entrelinhas na Livraria Leitura (Foto: Acervo do clube)

Mariana Nunes sentia que flertava com a tristeza meses após perder o emprego de carteira assinada, na área de vendas. Mesmo dedicada ao bazar de sua propriedade, o Cereja Amarela, a jornalista, hoje com 37 anos, precisava ocupar certo vazio que a tomava. Foi quando, em abril do ano passado, ela conheceu o clube do livro Entrelinhas em Campos dos Goytacazes. A ampliação do contato com as palavras, então, deu novo sentido à vida da empreendedora.


"É como diz a Carolina Maria de Jesus, em Quarto de Despejo, um dos livros que lemos no clube: a literatura salva em qualquer classe social. Como a salvou, pois Carolina era catadora de lixo, vivia numa pobreza miserável e escreveu em meio a isso, a literatura também me salvou. Além disso, me trouxe outros conhecimentos. Eu lia livros de poesia, de romance, mas agora tenho acesso a outros, como sobre história, biografia. Estamos lendo agora, por exemplo, a autobiografia da Rita Lee", diz Mariana, que se sentiu contemplada pelo projeto também em outro aspecto.


Mariana Nunes (Foto: Arquivo pessoal)

"Eu sou ativista contra a gordofobia, e o livro que leremos no mês de julho fala sobre isso, o Dumplin' (da escritora americana Julie Murphy). O bom é que ele tem uma linguagem de fácil entendimento aos jovens. É muito bom, tem até filme dele, que fala sobre uma menina gorda, fora do padrão que dizem existir. A mãe dela foi miss e quer que a menina siga o mesmo caminho. E joga isso o tempo todo para a ela, fica tirando a comida da filha, dizendo que ela é gorda. Uma hora a filha fica com tanta raiva que entra para a vida de miss só para provar que não precisa ser magra para isso", conta a jornalista.


O Entrelinhas nasceu em abril de 2017 e conta atualmente com 30 membros e 50 assinantes, em números aproximados. Por isso, as reuniões que ocorrem a cada último sábado do mês saíram das casas dos participantes e passaram a ocupar outros espaços, como a livraria Leitura, no Shopping Boulevard — devido à pandemia de Covid-19, as reuniões têm sido virtuais atualmente. E o combinado é o seguinte: cada membro indica dois livros para entrar na lista dos 12 que serão lidos durante o ano. Cada um lê o livro sorteado durante o mês e discorre sobre ele na reunião. A seguinte será no próximo dia 27.


"Cada um fala o que acha do livro, seja do ponto de vista da escrita gramatical, seja do ponto de vista filosófico. Cada um encara o livro de uma forma. Às vezes nós falamos do personagem, pegamos a mensagem e tentamos desdobrá-la. Acontece também de ter gente que não consegue ler a obra indicada. No caso de Grande Sertão: Veredas (de João Guimarães Rosa), apenas três leram. Mesmo que a pessoa não tenha lido, ela vai à reunião, escuta comentários e passa a ser incentivada a essa leitura. Acaba recebendo uma chuva de spoiler, né", diz Virginia Lobo, uma das fundadoras do clube.


Durante a quarentena, o clube precisou fazer um ajuste nas escolhas. "Estávamos lendo apenas livros tristes, como Todo dia a mesma noite (de Daniela Arbex), sobre a tragédia da Boate Kiss. Quando começou a pandemia, as pessoas ficaram muito assustadas e começaram a se incomodar com essas histórias. As pessoas querem ler algo mais para cima. Por isso, fizemos uma nova grade de indicação, com livros mais alegres, e realizamos novos sorteios", conta Virgínia.


Literatura: palavra feminina


Outra opção de clube de leitura em Campos é o Leia Mulheres. "Esse é um projeto nacional que surgiu em São Paulo de 2014 para 2015, inspirado pela hashtag #readwomen (#leiamulheres em inglês), criada pela autora inglesa Joanna Walsh. Resolveram trazer isso para uma experiência presencial. Com isso, deram início aos clubes. A partir dali, criaram outros clubes no restante do país. Aqui começamos em 2017. Temos essa coordenação em São Paulo, e os clubes são conectados, mas temos autonomia em nossas reuniões", conta Nayara Maia, uma das mediadoras da versão campista do clube.


A periodicidade das reuniões do Leia Mulheres também é mensal. Devido à pandemia, houve apenas um encontro neste ano, em fevereiro, pois janeiro é o mês de recesso do grupo, que ainda busca uma forma de haver encontros online. Os presenciais vinham ocorrendo na livraria Leitura. A presença de homens é permitida, mas os livros escolhidos para a discussão têm de ser escrito por mulher.


"Nos clubes, há um elemento importante de identificação. Sempre que alguém escreve, escreve de algum lugar. Mesmo que escreva ficção, escreve a partir de uma posição no mundo. Ler mais mulheres nos ajuda a ter identificação, com um olhar que é mais próximo, e a conhecer novas maneiras de se contar histórias, conhecer novos olhares. Histórias, sejam de ficção, sejam textos jornalísticos, livros históricos, são mais ricas quando contadas por vozes diversas", diz Nayara, que exemplifica:


"No ano passado, lemos a Conceição Evaristo, uma autora que escreve de uma posição de mulher negra brasileira. As histórias de ficção dela trazem uma visão que nos tira da zona de conforto e nos faz enxergar certas questões, enxergar a realidade a partir de outro olhar. Não queremos diminuir as histórias contadas por vozes masculinas, mas abrir outros horizontes e conhecer a perspectiva dessas mulheres".


Escritoras locais


Para Ler as Meninas é uma roda de leitura. Ou seja, nela os textos são lidos e interpretados pelas atrizes Laíza Dias e Lucia Talabi, bem como pelas escritoras Marcelle Louback e Simone Pedro. A ideia também é valorizar as escritoras, sejam consagradas nacionalmente, sejam da região. "As pessoas experimentam várias coisas na roda de leitura. Nós lemos os textos e só dizemos a autora ao final da apresentação. As pessoas têm uma experiência de: 'Nossa, eu escuto um texto de Simone Pedro com a mesma devoção que escuto Marina Colasanti.' Isso é um termômetro para que possamos medir a qualidade de nossa produção", diz Simone.


Nascida de uma conversa entre Simone e Marcelle em 2016, Para Ler as Meninas faz até dez apresentações por ano e esteve em temporada no Sesc durante o segundo semestre do ano passado. O grupo tem produzido conteúdos para a sua página no Instagram durante a pandemia. A ideia, contudo, é organizar podcasts de leituras a partir de agosto. Após quatro anos de trabalho, Simone se orgulha do projeto. Durante este período, afinal, Marcelle Louback publicou o livro Pequeno Gabinete de Curiosidades, pela editora Autografia.

"Eu e a Marcelle somos de uma geração que começou a escrever em blogs. E ela é muito talentosa, produz muito. Escreve em um volume muito alto e em pouco tempo. O impacto de nosso trabalho na roda é o de conseguir estimular as meninas, que sentem que têm potencial. Encorajamos essas mulheres a escrever. Escrever é se expressar. Mostrar o que escreveu é mostrar todos os seus sentimentos e pensamentos. Isso é um desafio para a mulher. Sentimos que há meninas estimuladas a isso. Nós podemos dizer que somos escritoras, o que é um ofício, não um hobby. Outro impacto é o de conhecer novas escritoras. Havia mulheres que escreviam escondidas, e trouxemos essas mulheres para a superfície. Não chamamos só escritoras de Campos, mas de Macaé, Cabo Frio, Região Serrana", diz Simone Pedro, que valoriza o feito da amiga:


"Eu acabei me viciando em escrever textos curtos, pois a internet tem um apelo de tempo. Nem eu mesma consigo ler textos muito grandes na internet, mas os livros são diferentes. Quando nós tiramos um momento para a leitura de livros, esse processo se dá de uma forma diferente. Entendemos que, para quem necessita atacar com literatura, não adianta atacar com uma ferramenta só. A internet é uma das vitrines, mas lá você vai escrever um tipo de texto. É preciso atacar em livros também. A publicação feita pela Marcelle nos estimula muito. Eu mesma estou fazendo uma produção já pensando em um livro, o que é totalmente diferente. É um texto diferente. É muito difícil, pelo custo, mas há pequenas editoras que estão dando um show. A Autografia, por exemplo, estimula bastante esse trabalho".

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