Roberto Ribeiro: campista de corpo e alma
- Luiz Neto
- 24 de jul. de 2020
- 7 min de leitura
Um dos maiores da história do samba, o cantor e compositor teria completado 80 anos na última segunda-feira. Filho comandará live em homenagem à data no domingo (26)

A parede do quintal guarda a expressão que é a marca registrada de Roberto Ribeiro: a alegria ao soltar uma voz inconfundível. Na casa da família do sambista, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, o sentimento é de saudade pela morte precoce dele, aos 55 anos, em janeiro de 1996, por atropelamento próximo dali. O cantor e compositor, que é um dos maiores da história do samba, completaria 80 anos na última segunda-feira. Apesar de ter se consagrado na Cidade Maravilhosa, suas raízes estavam fixas em Campos dos Goytacazes, onde nasceu em 20 de julho de 1940.
"Ele era campista de corpo e alma, mas carioca de coração. Onde ele ia, falava sobre sua cidade. Ele amava muito Campos", conta Liette de Souza, viúva do artista.
Poetisa, cantora, compositora e escritora, Liette colocou no papel a memória de Roberto Ribeiro. Em janeiro de 2006, lançou 'Dez anos de Saudade', pela Potiguar Editora. O livro ganhou outra edição em 2010, pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, da Prefeitura de Campos, com o nome 'Roberto Ribeiro – O Menino Rei (A voz privilegiada do samba)'. Na obra, a escritora dá atenção especial à vida de Roberto antes do desembarque definitivo no Rio, em 1963.
Na infância, em Campos, o pequeno Demerval Miranda Maciel, nome de batismo de Roberto, conciliava os estudos e o trabalho como entregador de leite com as brincadeiras no Jardim do Liceu de Humanidades, no campo do Colégio Bittencourt, no gramado do Fórum Nilo Peçanha, no ponto final do bonde, na Praça São Salvador, e no Rio Paraíba do Sul, onde mergulhava. "O fascínio sobre o mundo encantado das crianças foi captado não só nos cenários de aguçadas imaginações, como também nas encantadoras brincadeiras que fazia com os amigos", escreve Liette.
Sob o apelido de Pneu, que herdou do irmão mais velho, tentou a vida como jogador de futebol. Foi goleiro do Rio Branco, no bairro campista da Lapa. Dali, foi para as categorias de base do Goytacaz, mas teve de abandonar o gramado por causa de um problema na visão.
Roberto cantando 'Todo menino é um rei' no programa Bem Brasil, da TV Cultura, em 1992
Largar a bola não parece ter sido um martírio para o jovem Pneu, pois a carreira musical já ganhava forma nele. E o gosto pela música, principalmente pelo Carnaval, começou cedo. "Na minha terra tem uma coisa que marcou muito a minha infância: o Boi Pintadiho. É uma festa bonita de Carnaval. Eu me lembro do refrão que dizia assim: 'Olha a cara do Boi, ê boi. Olha o peito do boi, ê boi. Olha o rabo do boi, ê boi. Olha o olho do boi, ê boi. Aí, o boi baixava, e o cara cantava: 'levanta, meu boi, levanta, que é hora de levantar...'", disse Roberto Ribeiro durante gravação do programa Ensaio, da TV Cultura, em novembro de 1990.
A paixão pelo Império Serrano, do qual chegou a ser intérprete, foi à primeira vista. Quando ele tinha 15 anos, a escola da Serrinha fez um desfile em Campos e o inspirou a participar da fundação da agremiação Amigos da Farra. "Suas cores não poderiam deixar de ser o verde e o branco", escreve Liette de Souza.
Sua voz já despertava os elogios dos amigos, que o chamavam para cantar em festas. "Lá em Campos havia os bares que o pessoal frequentava, principalmente no domingo à noite, e ele apontava na porta. Os conhecidos falavam 'Pneu, canta aquela'. E ele cantava sem acompanhamento, sem nada. Ele cantava mais bolero. Havia um pessoal que não o conhecia e falava 'canta não sei o quê'. Aí, vinham os 'empresários' e falavam: 'só se você pagar duas (cervejas)'. Eles botavam duas na mesa e o Pneu cantava. Ele tinha um vozeirão, e nós entendíamos tudo o que ele cantava. Tinha a dicção muito boa", conta o amigo campista Evaldo, atacante que teve passagens marcantes por Fluminense e Cruzeiro, nas décadas de 1960 e de 1970.
Roberto cantando 'Amor de verdade' no programa Ensaio, da TV Cultura, em 1990
O pontapé inicial na carreira profissional foi um prêmio em dinheiro que o então jovem cantor recebeu após se apresentar no programa de calouros Tec Color, da Rádio Cultura, de Campos. A vitória veio após uma primeira tentativa frustrada. Dali, começou a cantar nas casas noturnas da região, como Mocidade Louca, Felismina Minha Nega, Faturista, Clube Bandeirantes e Paraíso Perdido.
Por sugestão dos amigos, adotou o nome artístico. Roberto, um desses amigos que sugeriram a mudança, cedeu o primeiro. Ribeiro, que por coincidência era o sobrenome de seu pai, Antonio, foi inspirado em Almir Ribeiro, grande nome do cinema, do rádio e da música na década de 1950. "Nós falamos com ele que Demerval Miranda não daria. Aí ele mudou, e deu certo", conta Evaldo, que hoje mora em Belo Horizonte.
E foram os amigos de Campos que também deram uma força para Roberto Ribeiro na mudança para o Rio. Evaldo e outros conterrâneos, como Zé Luiz e Riva, estavam no Fluminense e levaram Roberto para treinar nas Laranjeiras, mesmo sabendo que o rapaz já não tinha mais condições de atuar. "Eu fui só para treino e fiquei no 'come e dorme' uns dois meses, escondido", contou o sambista no mesmo programa Ensaio, onde também afirmou:
"Em 1963, a rapaziada estourou a idade de juvenil e foi morar em Botafogo. Foram Evaldo, Turcão, Íris e Zé Luiz. Eles me levaram para lá. Falaram: 'Pneuzinho, fica com a gente. Você lava roupa, faz um rango gostoso e ainda toca um violão. Vamos com a gente. Enquanto você faz o rango de manhã, nós vamos treinar. Quando nós voltarmos do treino, você vai cantar'. Então, ficou nisso".
Roberto cantando 'Estrela de Madureira' no programa Bem Brasil, da TV Cultura, em 1992
Evaldo ainda faria mais pelo amigo. Em 1965, ele pagou a gravação do compacto simples em que Roberto Ribeiro cantou a música 'Tá certo, sim', de Walter Dionísio. "Ele estava tentando iniciar a carreira, o que era difícil. Encarou com unhas e dentes e foi embora. Foi bom demais!", conta o ex-jogador, orgulhoso, antes de relatar a convivência em casa com o cantor, em Botafogo:
"Ele cozinhava bem, fazia sempre um bife com batata frita. Às vezes, estalava um ovo por cima de tudo. Ele não tinha miséria, fazia qualquer coisa. Aprendeu a sofrer. Ele não tinha um vestuário para ir cantar e pegava uma camisa do Íris emprestada. A maré era brava, mas ele conseguiu superar".
Com a força dos amigos de Campos, Roberto Ribeiro já percorria por programas de calouros nas emissoras de rádio e de televisão, fazia coro em gravações e chegou até a colocar a voz no disco 'Os Partideiros'. Mas sua vida mudaria ao conhecer Liette de Souza, também corista, no dia 14 de janeiro de 1969. "Naquele momento fiquei muito emocionada, encantada, fascinada pelo rapaz. Foi amor à primeira vista!", escreve Liette em 'Dez anos de saudade'.
No mesmo dia, ela o levou a uma festa em sua escola, o Império Serrano. E foi o começo da história que o país conheceu. Na verde e branca da Serrinha, Roberto Ribeiro foi intérprete de 1971 até 1981, exceto em 1972 e em 1973, e assinou o samba da agremiação junto com Jorge Lucas, irmão de Liette, em 1977, quando o enredo foi 'Brasil, berço dos imigrantes'. Paralelamente a isso, consolidou a sua carreira nos palcos. Até a sua morte, nem um mês após ele ver o seu glorioso Botafogo ser campeão brasileiro, lançou ao menos 16 discos, fora as parecerias com Elza Soares e Simone, além de participação em outros álbuns especiais.
Roberto cantando 'Meu drama' no programa Ensaio, da TV Cultura, em 1990
Com voz marcante, Roberto Ribeiro eternizou obras como 'Todo menino é um rei', de Nelson Rufino e Zé Luiz, 'Meu drama', de Silas de Oliveira e J. Ilarindo, 'Acreditar', de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, e 'Estrela de Madureira', de Acyr Pimentel e Cardoso. De Liette de Souza, recebeu 'Amor de verdade', uma parceria dela com Flávio Moreira. Também compôs bastante, principalmente com Toninho Nascimento, com quem fez 'Algema', por exemplo. Com Liette de Souza, fez 'Sorri pra vida' e 'Divina invenção', esta com participação de Serafim Adriano.
"Roberto provou todos os frutos do sucesso. Não somente os doces, mas os amargos também. Ele foi a própria voz da massa. Foi o pensamento livre das classes mais pobres. Foi alegria de toda uma geração, que tem no samba uma esperança de novos horizontes e dias melhores. Se eu pudesse personificar o samba, torná-lo vivo, alegre e sorridente, Roberto para mim foi este personagem que resumia a tradição e o sentimento do povo brasileiro", escreve Liette em 'Dez anos de saudade'.
O menino Pneu rodou e encantou o Brasil, soltou sua voz na Europa, mas não esqueceu de sua origem. Sempre esteve em Campos, mesmo depois do sucesso que fez após se tornar um 'carioca de coração', como diz a esposa Liette. E fez questão de aproximar a família de sua terra natal. "Quando eu tinha uns 10, 11 anos, nós íamos muito a Campos. Íamos muito à casa do Tio Rubinho, era muito legal. Nós nos encontrávamos muito com o Evaldo por lá também. E com a rapaziada que já tinha parado de jogar. Havia sempre um churrasco, aquele gelo gostoso que eles tomavam. Era uma resenha boa", diz Alex Ribeiro, filho de Roberto e Liette, hoje com 48 anos.

Do pai, Alex herdou a paixão pelo samba e pelo futebol. Ao contrário de Roberto, conseguiu se profissionalizar no futebol, jogou na Europa e só começou a cantar depois que pendurou a chuteira. "Eu participava do Império do Futuro, escola-mirim da qual meu pai foi fundador, mas consegui ser jogador. E meu pai tinha o maior orgulho disso. Eu só fui cantar dez anos depois que meu pai morreu. Depois que ele morreu, eu fiquei esse tempo todo sem querer saber de música", conta Alex, que comandará a Live do Botequim do Império, nos canais do Império Serrano e do Fitamarela no YouTube, no domingo (26), às 13h.
"Eu ia no futebol com a rapaziada do samba, Xande de Pilares, Zeca Pagodinho, e eles falavam que eu deveria cantar, pois meu pai era um dos maiores sambistas. Nessa época, o Diogo Nogueira, filho do João, já cantava, assim como a Mart'nália, filha do Martinho da Vila. Quando eu me dei conta, eu já estava no palco do Sesc Pompeia, em São Paulo, com a lotação máxima do local, num tributo ao meu pai. Dona Ivone Lara e Monarco estavam lá", emenda o cantor.
Além do desenho na parede do quintal da casa da família, para Alex, ficou também um legado de Roberto Ribeiro. "Meu pai sempre foi uma pessoa muito correta, muito honesta. E isso eu levo para a minha vida até hoje. Procuro ensinar os meus dois filhos a mesma coisa. Eu passo essa herança para eles: fazer o bem e não desejar mal a ninguém. A história é a mesma. A diferença é que eu joguei mais bola do que meu pai, e meu pai cantou muito mais do que eu", afirma Alex Ribeiro.
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