Resiliência, união e criatividade: instrumentos do trabalhador da cultura em Campos dos Goytacazes
- Culturália
- 1 de mai. de 2020
- 6 min de leitura
Falta de valorização e escassez de cursos de capacitação profissional são as principais barreiras encontradas por quem tenta a vida no setor, segundo ouvidos pelo Culturália

Em um Primeiro de Maio marcado pelo isolamento social, devido à pandemia causada pelo coronavírus, é válida a reflexão sobre o ambiente em que o trabalhador da cultura se insere em Campos dos Goytacazes. A falta de valorização e a escassez de cursos de capacitação profissional são as principais dificuldades encontradas por quem busca o sustento neste setor, segundo as pessoas entrevistadas pelo Culturália. Para enfrentar isso, eles têm a resiliência, a criatividade e a união como instrumentos.
"Aqui tem uma galera muito resiliente, uma produção cultural vasta. Tem um povo, desde velha guarda até os novos, que tem gana, uma vontade de fazer porque sabe que a dificuldade é bem maior aqui. Muita gente cria, faz teatro de rua. São autodidatas que formam grupos. Quando o teatro de bolso reabriu, após ser reformado, foi falado que não havia demanda na cidade para ocupá-lo. Em um mês, ocupou-se todos os finais de semana, desde coral até apresentações de dança", afirma Tim Carvalho, 38 anos, gerente de projetos culturais da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), órgão responsável pela gestão cultural no município de Campos.
Tim, porém, reclama da dificuldade que os artistas encontram quando pensam em se qualificar. "Você tem que estar atualizado em legislação, o que não é uma coisa fácil. A Lei Rouanet, de incentivo à cultura, é muito complexa. Para fazer o preenchimento, você sempre depende de terceiros. Acaba perdendo uma parte do cachê para essas pessoas. O último (curso) que fiz foi no Sesc, justamente sobre como elaborar um projeto para captação de recursos. Foi um workshop de duas horas, o que é pouco tempo para você conseguir entender o que é a captação de recursos", diz o gerente da FCJOL.
Virada
Para quem começou na arte durante a adolescência, como ator em São Fidélis, Tim Carvalho se considera um felizardo por ter sido aprovado em concurso para a Prefeitura de Campos, em 2006, e por isso conseguir tirar o seu sustento apenas com o trabalho na área cultural. Para viver da mesma forma, Marcelo Benjá, 35 anos, teve de arriscar. Trabalhador da área da tecnologia da informação até quatro anos atrás, ele se planejou para viver da música. O sucesso veio mais rápido do que imaginou.

"Eu tracei alguns objetivos. Se a música me desse retorno até tal tempo, eu largaria TI e viveria de música. O retorno veio antes da metade desse tempo. Assim, pedi as contas na empresa e gravei o meu primeiro disco no final de 2017, o Manifestações. Aos poucos eu consegui entrar nos festivais de cerveja artesanal. Foi muito difícil entrar nesse nicho, mas eu consegui participar desses festivais, assim como de alguns editais da prefeitura", conta o artista.
Isso não significa que o músico não encontre obstáculos. O principal, segundo ele, é encontrar valorização por parte dos empresários do setor. "A maioria das casas de show de Campos é dos mesmos donos há muito tempo, num negócio de família. Na mentalidade dos mais antigos, a música é quase que um mal necessário. Não é vista como um investimento para atrair clientes e para fidelizar o cliente. Ela é vista como mais um gasto. Isso faz com que eles procurem o mais barato. Se o cara te propõe fazer por portaria, por couvert, é porque ele sabe que o negócio está ruim. Se ele te propõe um cachê fixo, é porque ele sabe que vai ter público", diz Marcelo Benjá, que emenda:
"Para não ficar refém desse mercado já defasado, eu tive que me reinventar. Aí, comecei a trabalhar com os especiais, oferecendo shows diferentes. Assim, eu ganho poder. Antes da pandemia, eu fazia os meus eventos e escolhia a casa, que entra como parceiro. Dessa forma, consigo lucrar mais do que se fechasse cachê fixo com alguma casa. Foi assim que eu virei esse jogo".
Coletividade
Fabrício Chaves, violonista e vocalista da Cântarus, também lamenta a falta de valorização dos músicos na região. Dezesseis anos depois de fundar a banda junto com o baixista Fabio Cabelo, o músico, de 37 anos, ainda precisa se dividir entre o projeto, o qual também inclui o baterista Flávio das Neves, e a função de designer gráfico.
"Muita gente gosta do seu som, está no bar, mas tem dificuldade de contribuir com o couvert, de abraçar a causa. Muita gente, também, quer contratar o músico, mas tem dificuldade de reconhecer o valor que aquilo tem. O músico diz qual é o preço e o contratante tem dificuldade de investir aquele valor. Nós trabalhamos a quatro mãos. As casas têm a força delas, o potencial do cardápio, da arquitetura, do atendimento. Mas, se a casa quer trabalhar com música, tem que valorizar o músico, não só na questão financeira, mas na infraestrutura", diz Fabrício.

Artesã do ramo da moda, Aucilene Freitas, 57 anos, esbarra na mesma dificuldade. Por isso, a organizadora da Feira do Consumo Consciente, que é assistente social, tem o trabalho na área de recursos humanos como fonte de renda principal. "De forma alguma eu conseguiria me sustentar apenas com o artesanato. Não se valoriza o artesanato, acho que isso é cultural. Algo como 'santo de casa não faz milagre'. Esse é um ditado que eu não gosto, pois acho que tem de fazer milagre, sim. Eu vejo muitas pessoas da cidade viajando por outros estados e achando lindo e maravilhoso o trabalho artesanal feito nesses lugares. Compra, valoriza, acha o preço justo. Quando vêm aqui, elas não olham os nossos produtos com os mesmos olhos", diz.
A artesã aponta, como solução para melhorar as vendas no setor, a união de seus colegas de função em feiras que têm como base a economia solidária, algo que aperfeiçoou quando trabalhou na Universidade Estadual no Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf). "Eu já trabalhava com economia solidária, em menor escala, mas eu fui ter noção disso quando conheci a professora Nilza Franco na Uenf, em 2010. Quando fica cada um com as suas dores, separado, você desanima, lamenta, mas não encontra solução. Eu tenho um expositor que vende tecidos africanos e propus a ele que fizesse parceria com um produtor de mochilas e bolsas, o qual produziria com tais tecidos. Vende o tecido com desconto. Quando muitos se unirem para dizer que seu trabalho tem valor, alguém há de ouvir", conta.
Quarentena
Medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para frear a propagação do coronavírus, o isolamento social teve impacto no setor, além dos demais. A necessidade de evitar aglomerações, algo inerente a eventos culturais, faz então com que esses trabalhadores tirem novos coelhos da cartola.
"Estamos fazendo feira online. Em uma de nossas feiras, houve 33 participantes. Eu crio eventos no Facebook, usando estratégias das redes sociais, e passo a incumbência: vocês têm esses links e preciso que vocês divulguem para os seus amigos. Se cada um trouxer 10, seremos 330 conhecendo os trabalhos", conta a Aucilene Freitas.
Marcelo Benjá, por sua vez, vende gravações sob demanda. "As pessoas escolhem qual música querem, quantas quiserem, e eu cobro 10 reais por música. Eu gravo com a melhor qualidade possível de áudio e vídeo e disponibilizo de forma privada no YouTube. Mando o link e a pessoa pode assistir quando e de onde quiser. O pagamento é feito por depósito ou transferência bancária. No primeiro final de semana, eu vendi mais de dez músicas", disse o músico, que também precisou voltar a fazer serviços particulares de informática para conseguir pagar as despesas de casa.
Pelo grau de coletividade de seu trabalho, a Cântarus não tem conseguido realizar um trabalho online. "Estamos com o terceiro disco pronto, só com músicas autorais, esperando isso tudo passar para fazer o lançamento. Nós não conseguimos fazer live, pois estamos respeitando o isolamento. Fazer sozinho, fica estranho. Estou vivendo com minhas outras fontes de renda, como o design gráfico. Os outros meninos estão parados, pois vivem de música, estão vivendo das reservas que fizeram. Esperando essa onda passar", conta o violonista e vocalista da banda, Fabrício Chaves.
Lançamos hoje Culturália. Mais que um blog, queremos que seja uma plataforma, um ponto de encontro, um espaço de construção e disseminação de imaginários pulsantes orientados para a vida, a esperança e para a construção coletiva de um mundo mais humano a partir da Cultura. Um espaço para celebrar o invento, a criatividade, a Cultura e as Artes. Para isso, queremos que se sintam à vontade para ler, comentar, sugerir, criticar o que trazemos de conteúdo. Nossos canais nas redes sociais e nosso e-mail estão abertos para vocês!
Culturália vai trazer conteúdo uma vez por semana, às sextas-feiras, sobre a Cultura no Norte fluminense. Reportagens, matérias, ensaios, entrevistas e o que mais a imaginação e o suporte permitirem. Esperamos assim colaborar para que mais pessoas conheçam a rica produção cultural do Norte fluminense.
Comentários